sábado, 2 de junho de 2012

O Modelo do Acre e o desafio da Amazônia


por Jorge Viana 
Sempre foi um enorme desafio discutir Amazônia por ser uma das regiões mais especiais do nosso planeta. Foi assim no século 19. Foi assim especialmente no século 20, que ainda está muito presente na nossa memória. Nosso desafio agora é como pensar a Amazônia para o século 21, no pós-Copenhague. E aí creio ser bom pensarmos um pouco sobre o que ocorreu na Amazônia nos últimos 40 anos. Vejamos o exemplo do Acre. As mudanças e transformações que aconteceram no Acre são fruto de um movimento que inicialmente foi de resistência e denúncia.
Teve como base um movimento social muito forte, organizado a partir da Igreja Católica (Comunidades Eclesiais de Base) e que criou condições para a organização dos sindicatos rurais convencionais. Esse movimento ganhou força com o envolvimento de lideranças visionárias como Chico Mendes e o próprio Lula, que estimulou muito esse novo caminho. Uma singularidade que ainda não está devidamente registrado pelos pesquisadores e cientistas, mas que a história já faz por onde registrar. O que era no início um movimento de denúncia e de resistência, sob certo aspecto, convencional, se transformou em um movimento propositivo, que defendia um novo modelo de ocupação e desenvolvimento para a Amazônia, com propostas de políticas públicas inovadoras, que inclusive, passou a integrar a plataforma política do PT que surgia no mesmo período.
Já vivíamos o período da redemocratização do país, mas isso não significou uma mudança na visão da política oficial brasileira em relação à Amazônia. As denúncias contra as políticas públicas brasileiras continuavam crescendo no mundo. O desmatamento crescia em igual proporção e a novidade é que começaram a surgir movimentos políticos partidários, capitaneados pelo PT. O movimento ganhou força e no caso do Acre, suas propostas foram transformadas em políticas públicas a partir de 1993, quando o PT assumiu a prefeitura de Rio Branco. Alguns mandatos parlamentares também incorporaram os conceitos desse novo modelo, a partir da eleição da Marina Silva e depois do senador Tião Viana. E logo em seguida, no governo estadual, em 1999 (o primeiro governo do PT na Amazônia).
A experiência vivida pelo PT no Acre está no seu terceiro mandato na administração estadual e tem uma singularidade: fugiu da luta política convencional, tendo nos ideais  de Chico Mendes e na luta dos movimentos sociais a base de seu modelo de desenvolvimento. Um modelo de desenvolvimento que tem como principio: a sustentabilidade ambiental, econômica, social, cultural, política e ética.
A força maior desse movimento que hoje governa o Acre se sustenta em três bases, sob o ponto de vista da gestão:  1) ter idéias inovadoras que se legitimem na sociedade. 2)  reunir pessoas capazes para executar ou por em prática essas idéias. 3) reunir as condições para que essas idéias sejam implementadas.

A economia Pós-Copenhague
Desde a COP 15, tenho dito que o Acre já vive uma espécie de Pós-Copenhague, exatamente porque ainda no século passado, a nossa agenda já registrava e priorizava temas que só agora, na primeira década do novo milênio, estão sendo priorizados por outros estados, por outros governos e até pelo Brasil. O Acre vive esse Pós-Copenhague, por toda a sua história de resistência e de luta em defesa da floresta e do uso consciente dos seus recursos naturais.
Claro que os desafios se mantém enormes, maiores ainda, porque estamos vivendo a fase da materialização desses ideais. Mas é inegável que o modelo de desenvolvimento em andamento no Acre responde positivamente do ponto de vista econômico, por ser competitivo; responde positivamente do ponto de vista social, por ser includente, e responde essencialmente do ponto de vista ambiental porque é sustentável.
Esse novo modelo precisa levar sempre em conta as populações tradicionais e a biodiversidade e deve ter como linha mestra a idéia de se consolidar na Amazônia uma economia de baixo carbono com alta inclusão social.
O ordenamento territorial se torna fundamental nesse processo e considero um grande equívoco tratar desse tema de forma convencional. No Acre, realizamos o zoneamento ecológico e econômico, que não foi imposto por Lei, mas feito a partir de uma pacto com a sociedade. Esse modelo deveria ser reproduzido em todo o território Amazônico, associando os interesses dos que vivem na Amazônia com os interesses nacionais e deveria, sobretudo, ter como foco não o uso da terra e sim, o uso dos recursos naturais que estão abaixo e acima da terra.
É preciso compreender que na Amazônia devemos fortalecer o circulo virtuoso de que a floresta faz bem para a economia e a economia de base florestal é importante para a sustentabilidade. Usar com sabedoria a nossa biodiversidade, com certificação dos produtos e a agregação de valor deve ser a base para uma economia de baixo carbono e alta inclusão social.
Royalties pelo uso da Floresta
Outro aspecto a ser considerado é que os projetos de infra-estrutura a serem implementados na Região,  sejam na área energética (com uso dos recursos hídricos), de transporte, na exploração dos recursos minerais ou na implantação da indústria florestal de produtos madeireiros e não madeireiros, devem incorporar o que podemos chamar de royalties pelo uso desses recursos naturais.
Assim, podemos criar um mecanismo que envolva e beneficie diretamente os 25 milhões de amazônidas. Os povos da floresta devem ser beneficiados, não importa se moradores das cidades ou da floresta, nos ganhos desses empreendimentos. Se encontrarmos essa formulação, nós vamos ter respondido ao desafio de ter encontrado um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e de alta inclusão social.
Precisamos ainda, atingir as metas que o Brasil assumiu em Copenhague. São metas ousadas e contemporâneas de redução de emissão de gases e, especialmente a meta de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia. O Acre defende a algum tempo a compensação por desmatamento evitado e tem hoje uma das melhores propostas de REDD – Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação.
A meta de redução do desmatamento na Amazônia assumida pelo Governo brasileiro é uma meta possível e necessária de ser atingida e para que possamos atingi-la com segurança é muito importante que façamos também, um melhor uso das áreas já degradadas da Amazônia, outro grande desafio.
A aplicação de tecnologias que já são dominadas no aproveitamento das áreas degradadas, fará diminuir a pressão sobre novas áreas e propiciará uma atividade econômica que possa fazer uma boa transição da expansão de um modelo que não era sustentável do ponto de vista ambiental, para um modelo sustentável.
À altura dos novos desafios do mundo
Uma das mais eficientes maneiras de fazermos a defesa da preservação da Amazônia é estabelecermos políticas de uso sustentável dos seus recursos naturais. Hoje, o Brasil reúne as condições para consolidar um novo modelo de desenvolvimento na Amazônia que pode ser contemporâneo e dê mostras ao mundo de que o país é responsável com suas populações tradicionais e é guardião de sua biodiversidade.
O presidente Lula cumpriu um papel muito importante em Copenhague com a apresentação das metas de redução das emissões de perto de 40%, e especialmente a proposta de redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. O cumprimento dessas metas é uma necessidade para o país, para a Amazônia e para o mundo. Por outro lado, a Amazônia, que sofreu as mais graves conseqüências, os maiores danos, fruto de um período de grande crescimento do país na década de 70, o chamado “milagre econômico”, que atravessou décadas de estagnação do crescimento do país, encontra-se hoje, inserida num processo de crescimento econômico sustentável, graças à ação e ao trabalho do governo do presidente Lula que criou as condições para que o Brasil possa ser uma referência no mundo pós-crise financeira de 2009.
No momento em que o mundo discute mudança climática e o Brasil vive um circulo virtuoso de crescimento econômico, é oportuno e adequado que se corrijam os erros cometidos e sejam criadas as condições para que se implante um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia que esteja à altura dos desafios que o mundo vive hoje. Precisamos, por exemplo, mudar, de maneira definitiva, o foco do modelo de transporte na Amazônia.
Não pode mais estar centrado nas rodovias, é um equívoco. As rodovias ao longo dos últimos 30, 40 anos materializaram esse equívoco por promover o desmatamento de grandes extensões de áreas e provocar graves problemas sociais. O Acre tem um sistema de transporte intermodal: fluvial, aéreo e rodoviário, onde particularmente nas rodovias, busca-se antecipar-se aos problemas que estas trazem, utilizando-se da implantação de florestas estaduais e unidades de conservação como redutores de impactos ambientais.
Precisamos continuar buscando novas tecnologias para ampliar o aproveitamento hidrelétrico, principalmente na Amazônia, sem grandes barramentos, sem a formação de grandes lagos, sem comprometer os ecossistemas e com respeito às populações tradicionais, consolidando assim,  a imagem do Brasil de país que detém uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Alias, o Brasil que tem no bicombustível uma vantagem comparativa, precisa ser pioneiro na produção de energia a partir de biomassa e de biomassa de 2a geração – celulósico.
É importante também, que o Código Florestal, assim como, toda a legislação ambiental, seja atualizado e modernizado para que o Brasil continue se firmando como um país que  prioriza na sua agenda e no seu modelo de desenvolvimento a defesa da biodiversidade e o equilíbrio ambiental. A destruição do aparato legal que combate o ilícito ambiental no Brasil e o desmonte do Código Florestal, como defendem alguns, é o pior que pode acontecer.
Ao invés de PAC para a Amazônia, gostaria que pudéssemos ter o PAD – Programa de Aceleração do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. E se pudéssemos ir um pouco além, gostaria que tivéssemos o PAE – Programa de Aceleração do Envolvimento das Populações da Amazônia.
A experiência no Acre vem dando certo, apesar das enormes dificuldades a vencer ainda, porque procurou inovar, conseguiu fazer uma conexão entre o ambiental, o político e a gestão, traduzido no conceito de Florestania. Não reproduziu um modelo pronto de fora da Região, mas buscou o seu próprio modelo, adequado a sua realidade, a partir de um olhar para dentro, para suas raízes, para sua história. E faz da educação sua maior prioridade. É impossível pensar em mudanças profundas e duradouras se não for pela educação.
É muito importante que o Brasil entenda que defender o meio ambiente é defender a vida, é defender o planeta. Mas é também business. É importante que todo o Brasil entenda que a questão ambiental está sendo naturalmente incorporada nos negócios e na vida do cidadão.
Eu tenho muita confiança de que nos próximos anos nós vamos fazer com que haja um reencontro da atividade humana com a conservação da natureza, da nossa biodiversidade. Esse reencontro natureza e homem resultará numa economia sustentável, contemporânea e que possa ser caracterizada como a economia do pós-Copenhague, que ajuda a estabilizar o clima no planeta. Estou certo de que a Amazônia transformada numa vantagem comparativa fará com que o Brasil se consolide como uma nação líder no mundo sustentável.

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